O psicólogo, professor
e pesquisador da Fundação Getúlio Vargas, Roberto Heloani, conseguiu levantar
um perfil devastador sobre como vivem os jornalistas e por que adoecem. O
trabalho ouviu dezenas de profissionais de São Paulo e Rio de Janeiro, a partir
do método de pesquisa quantitativo e qualitativo, envolvendo profissionais de
rádio, TV, impresso e assessorias de imprensa.
Segundo Heloani, a
mídia é um setor que transforma o imaginário popular, cria mitos e consolida
inverdades. Uma delas diz respeito à própria visão do que seja o jornalista.
Quem vê a televisão, por exemplo, pode criar a imagem deformada de que a vida
do jornalista é de puro glamour.
A pesquisa de Roberto
tira o véu que encobre essa realidade e revela um drama digno de Shakespeare.
Deixa claro que, assim como a absoluta maioria é completamente apaixonada pelo
que faz, ao mesmo tempo está em sofrimento pelo que faz o que na prática quer
dizer que, amando o jornalismo, eles não se sentem fazendo esse jornalismo que
amam, sendo obrigados a realizar outra coisa, a qual odeia.
Daí a doença! Um dado
interessante da pesquisa é que a maioria do pessoal que trabalha no jornalismo
é formada por mulheres e, entre elas, a maioria é solteira, pelo simples fato
de que é muito difícil encontrar um parceiro que consiga compreender o ritmo e
os horários da profissão. Nesse caso, a solidão e a frustração acerca de uma
relação amorosa bem sucedida também viram foco de doença.
O aumento da
multifunção Heloani percebeu que as empresas de comunicação atualmente tendem a
contratar pessoas mais jovens, provocando uma guerra entre gerações dentro das
empresas.
Como os mais velhos
não tem mais saúde para acompanhar o ritmo frenético imposto pelo capital, os
patrões apostam nos jovens, que ainda tem saúde e são completamente
despolitizados. Porque estão começando e querem mostrar trabalho, eles
aceitam tudo e, de quebra, não gostam de política ou sindicato, o que provoca o
enfraquecimento da entidade de luta dos trabalhadores.
"Os
patrões adoram porque eles não dão trabalho." Outro elemento
importante desta "jovialização" da profissão é o desaparecimento
gradual do jornalismo investigativo. Como os jornalistas são muito jovens, eles
não têm toda uma bagagem de conhecimento e experiência para adentrar por estas
veredas. Isso aparece também no fato de que a procura por universidades
tradicionais caiu muito.
USP, Metodista ou Cásper Líbero (no caso de
São Paulo) perdem feio para as "uni", que são as dezenas de
faculdades privadas que assomam pelo país afora. "É uma formação muitas vezes sem qualidade, o que aumenta a falta de
senso crítico do jornalista e o torna mais propenso a ser manipulado."
Assim, os jovens vão chegando, criando aversão pelos "velhos",
fazendo mil e uma funções e afundando a profissão. Um exemplo disso é o aumento
da multifunção entre os jornalistas mais novos. Eles acabam naturalizando a
ideia de que podem fazer tudo, filmar, dirigir, iluminar, escrever, editar,
blogar etc...
A jornada de trabalho, que pela lei seria de
cinco horas, nos dois estados pesquisados não é menos que 12 horas. Há um
excesso vertiginoso. Doença é conseqüência natural Para os mais velhos, além da
cobrança diária por "atualização e flexibilidade", há sempre o
estresse gerado pelo medo de perder o emprego.
Conforme a pesquisa, os
jornalistas estão sempre envolvidos com uma espécie de "plano B", o
que pode causa muitos danos a saúde física e mental. Não é sem razão que a
maioria dos entrevistados não ultrapasse a barreira dos 20 anos na profissão.
"Eles fatalmente adoecem, não agüentam."
O assédio moral que
toda essa situação causa não é pouca coisa. Colocados diante da agilidade dos
novos tempos, da necessidade da multifunção, de fazer milhares de cursos, de
realizar tantas funções, as pessoas reprimem emoções demais, que acabam explodindo
no corpo. "Se há uma profissão que
abraçou mesmo essa ideia de multifunção foi o jornalismo. E aí, o colega vira
adversário. A redação vive uma espécie de terrorismo
às avessas."
Conforme Heloani, esta estratégia patronal de exigir que todos
saibam um pouco de tudo nada mais é do que a proposta bem clara de que todos
são absolutamente substituíveis. A partir daí o profissional vive um medo
constante, se qualquer um pode fazer o que ele faz, ele pode ser demitido a
qualquer momento. "Por isso os problemas
de ordem cardiovascular são muito frequentes.. Hoje, Acidentes Vasculares
Cerebrais (AVCs) e o fenômeno da morte súbita começam a aparecer de forma
assustadora, além da sistemática dependência química".
O trabalho realizado por Roberto Heloani verificou que, nos
estados de São Paulo e Rio de Janeiro, 93% dos jornalistas já não tem carteira
assinada ou contrato. Isso é outra fonte de estresse. Não bastasse a
insegurança laboral, o trabalhador ainda é deixado sozinho em situações de
risco nas investigações e até na questão judicial. Premidos por toda essa gama
de dificuldades, os jornalistas não têm tempo para a família, não conseguem
ler, não se dedicam ao lazer, não fazem atividades físicas, não ficam com os
filhos. Com este cenário, a doença é conseqüência natural. Transformados em
sócios-cotistas.
O jornalista ganha muito mal, vive submetido a um ambiente
competitivo ao extremo, diante de uma cotidiana falta de estrutura e ainda
precisa se equilibrar na corda bamba das relações de poder dos veículos. No
mais das vezes, estes trabalhadores não têm vida pessoal e toda a sua interação
social só se realiza no trabalho. Segundo Heloani, 80% dos profissionais
pesquisados têm estresse e 24,4% estão na fase da exaustão, o que significa que
de cada quatro jornalistas, um está prestes a ter de ser internado num hospital
por conta da carga emocional e física causada pelo trabalho.
Doenças como síndrome do pânico, angústia e depressão são
recorrentes e há os que até pensam em suicídio para fugir desta tortura, situação
mais comum entre os homens. O resultado deste quadro aterrador, ao ser
apresentado aos jornalistas, levou a uma conclusão óbvia.
As saídas que os jornalistas encontram para enfrentar seus
terrores já não podem mais ser individuais. Elas não dão conta, são
insuficientes. Para Heloani, mesmo entre os jovens, que se acham
indestrutíveis, já se pode notar uma mudança de comportamento na medida em que
também vão adoecendo por conta das pressões. "As saídas coletivas são as únicas que podem ter alguma eficácia",
diz ele. Quanto a isso, o presidente do Sindicato dos Jornalistas de Santa
Catarina, Rubens Lunge, não tem dúvidas. "É só amparado pelo sindicato, em ações coletivas, que os jornalistas
encontrarão forças para mudar esse quadro." Rubens conta da emoção
vivida por uma jornalista na cidade de Sombrio, no interior do estado, quando,
depois de várias denúncias sobre sobrecarga de trabalho, ele apareceu para
verificar. "Ela chorava e dizia,
`Não acredito que o sindicato veio´. Pois o sindicato foi e sempre irá porque
só juntos podemos mudar tudo isso."
Rubens ainda lembra dos famosos pescoções, praticados por
jornais de Santa Catarina, que levam os trabalhadores a se internarem nas
empresas por quase dois dias, sem poder ver os filhos, submetidos a pressão,
sem dormir. "Isso sem contar as
fraudes, como as de alguns jornais catarinenses que não têm qualquer empregado.
Todos são transformados em sócios-cotistas. Assim, ou se matam de trabalhar, ou
não recebem um tostão."
Email enviado por: Lucas Lacaz Ruiz
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