domingo, 4 de dezembro de 2016

Texto do Jornalista Bruno Quintella

Publicado no dia 3 de dezembro de 2016

"Um realismo nada fantástico, mas sóbrio e duro chamado realidade. Nem Gabriel García-Márquez poderia prever numa eventual continuação de seu romance com o título que resumiria essa tragédia. Só que em vez de Santiago Nasar, foram oitenta pessoas. Foi o dia em que a realidade esfregaria na cara do realismo fantástico que a vida prega peças.
Macondo também está triste.
É inevitável que toda essa tragédia remeta aos contos e às sagas de algumas histórias elocubradas pelo escritor colombiano, morto em 2014.
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Um time de futebol de uma cidade de interior, do sul do país, onde habitam cerca de duzentas mil pessoas. Jogadores com salários modestos, um clube com pouco mais de quarenta anos de existência (num país onde muitos clubes já comemoraram seus centenários) e uma trajetória magistral. Uma conquista inédita tão próxima de Chapecó e dos chapecoenses. Uma guinada a caminho de uma projeção internacional que, para muitos, até ali, não era tão evidente. Mas era, sim, para mais de vinte jornalistas que também acreditavam nesse sonho. Jornalismo é você contar a história do outro, por mais triste que seja, por mais despretensiosa que pareça, por mais simples que possa ser. Porque nosso dever não é apenas informar, mas saber informar. Era assim também o nosso colega colombiano Gabo - que o Geneton Moraes Neto achava um desrespeito fabricar essa intimidade com GGM: chamá-lo pelo apelido.
Geneton e Gabo certamente estão tristes também. Quando o jornalista se transforma em notícia, raramente é por um bom motivo.
Raramente.
Nossos Guilhermes, Ari, Victorino, P.J Clement e outros dezesseis companheiros certamente eram do time dos que sabiam como poucos levar a informação para o público. E morreram para contar e denunciar como voos sem segurança eram feitos a torto e a direito, como companhias aéreas coloca(va)m em risco passageiros e tripulação há algum tempo. Como equipes jornalísticas têm em sua rotina o acompanhamento de times e delegações para extrair, de mais perto possível, o clima e as informações mais quentes. É claro que nenhuma reportagem vale uma vida, é sempre bom frisar. E a única certeza que temos é que nenhuma morte foi em vão.
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O cortejo ontem nas ruas de Medellin. A imagem de cinquenta caixões passando pelas ruas escoltadas pelos militares colombianos. As pessoas nas ruas emocionadas com tudo aquilo que aconteceu, que uns chamam de desastre, outros tragédia, mas não mais acidente, mas um risco assumido. Não foi acidente.
O estádio lotado com mais de cem mil pessoas comovidas, tristes, fortes e solidárias. Esporte é compartilhar sentimentos de vitórias e derrotas, mas também é dividir sentimentos sem nome. É impossível denominar o que aconteceu naquela noite, essa sim, realisticamente fantástica – mesmo que triste, dolorosa e surpreendente. O estádio de nome Arena Condá viveu seus momentos da mágica e triste Macondo, talvez pela semelhança vocabular e metafórica: Condá e Macondo.
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Minha mãe sempre diz que não existe coincidência, e sim, convergência. Não há como ter certeza de que essa ‘era a hora’ deles. Mas a lição que fica é que devemos sempre valorizar a vida. Num abraço, num beijo, numa palavra de apoio ou carinho, de solidariedade. Temos muito o que aprender com o povo colombiano, nossos irmãos latinos, que, por muitas vezes, subestimamos por diversos motivos, como pelo fato de, simplesmente, serem nossos vizinhos. Precisamos entender que solidariedade ultrapassa fronteiras. Precisamos de tantas coisas.
Precisamos daquele abraço da mãe do goleiro Danilo, a dona Ilaídes, no nosso companheiro Guido Nunes;
Precisamos daquele carinho no rosto;
Precisamos da força da dona Ilaídes - e ela precisa de nós.
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O estádio da Chapecoense, agora debaixo de chuva, onde as lágrimas das pessoas se confundem com os pingos d´água vindos do céu. Capas de chuva que não nos protegem da dor – nem das lágrimas. Mas que permitem que os uniformes verdes estejam à vista.
Como disse García-Márquez em “O Amor nos Tempos do Cólera”:
‘A memória do coração elimina as más lembranças e enaltece as boas, e graças a esse artifício é que suportamos o passado.’
Vamos em frente."

Bruno Quintella


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